Para Vygotsky, o professor é figura essencial do saber por representar um elo intermediário entre o aluno e o conhecimento disponível no ambiente
No
início da infância, explorar o ambiente é uma das maneiras mais
poderosas que a criança tem (ou deveria ter) à disposição para aprender.
Ela se diverte ao ouvir os sons das teclas de um piano, pressiona
interruptores e observa o efeito, aperta e morde para examinar a textura
de um ursinho de pelúcia e assim por diante. Essa lista de atividades,
entretanto, pode dar a impressão de que, para adquirir saberes, basta o
contato direto com o objeto de conhecimento. Na realidade, boa parte das
relações entre o indivíduo e seu entorno não ocorre diretamente. Para
levar a água à boca, por exemplo, a criança utiliza um copo. Para
alcançar um brinquedo em cima da mesa, apoia-se num banquinho. Ao
ameaçar colocar o dedo na tomada, muda de ideia com o alerta da mãe - ou
pela lembrança de um choque. Em todos esses casos, um elo intermediário
se interpõe entre o ser humano e o mundo.
Em
sua obra, o bielorrusso Lev Vygotsky (1896-1934) dedicou espaço a
estudar esses filtros entre o organismo e o meio. Com a noção de
mediação, ou aprendizagem mediada (leia um resumo do conceito na última página),
o pesquisador mostrou a importância deles para o desenvolvimento dos
chamados processos mentais superiores - planejar ações, conceber
consequências para uma decisão, imaginar objetos etc.
Tais
mecanismos psicológicos distinguem o homem dos outros animais e são
essenciais na aquisição de conhecimentos. Vygotsky demonstrou essa
característica referindo-se a diversos experimentos realizados com
animais. Num deles, um macaco conseguia pegar uma banana no alto de uma
jaula se visse um caixote no mesmo ambiente. No entanto, se não houvesse
o caixote, o símio nem sequer cogitaria buscar outro objeto que o
aproximasse de seu objetivo. O ser humano, por outro lado, agiria de
forma diferente. "Enquanto o macaco precisa ver o instrumento, o ser
humano consegue imaginá-lo ou conceber outro com a mesma função", afirma
Marta Kohl de Oliveira, professora da Universidade de São Paulo (USP).
Elementos mediadores: os instrumentos e os signos
O
exemplo também é útil para distinguir os dois tipos de elementos
mediadores propostos por Vygotsky. O primeiro são os instrumentos. Ao se
interpor entre o homem e o mundo, eles ampliam as possibilidades de
transformação da natureza: o machado permite um corte mais afiado e
preciso, uma vasilha facilita o armazenamento de água etc. Alguns
animais, sobretudo primatas, podem até utilizá-los eventualmente, mas é o
homem que concebe um uso mais sofisticado: guarda instrumentos para o
futuro, inventa novos e deixa instruções para que outros os fabriquem.
O segundo elemento mediador, o signo, é exclusivamente humano. Na definição do dicionárioHouaiss,
signo é "qualquer objeto, forma ou fenômeno que representa algo
diferente de si mesmo". A linguagem, por exemplo, é toda composta de
signos: a palavra cadeira remete ao objeto concreto cadeira. Perceba que
você certamente pode imaginar uma agora mesmo sem a necessidade de
vê-la. Para o homem, a capacidade de construir representações mentais
que substituam os objetos do mundo real é um traço evolutivo importante:
"Ela possibilita libertar-se do espaço e do tempo presentes, fazer
relações mentais na ausência das próprias coisas, fazer planos e ter
intenções", escreve Marta no livro Vygotsky: Aprendizado e Desenvolvimento, um Processo Sócio-Histórico.
A
mesma característica também é fundamental para a aquisição de
conhecimentos, pois permite aprender por meio da experiência do outro (leia o trecho de livro na terceira página).
Uma criança, por exemplo, não precisa pôr a mão na chama de uma vela
para saber que ela queima. Esse conhecimento pode ser adquirido, por
exemplo, com o conselho da mãe. Quando o pequeno associa a representação
mental da vela à possibilidade de queimadura, ocorre uma internalização
do conhecimento - e ele já não precisa das advertências maternas para
evitar acidentes.
A interação tem uma função central no processo de internalização
Para
Vygotsky, a interação (principalmente a realizada entre indivíduos face
a face) tem uma função central no processo de internalização. No livro A Formação Social da Mente: O Desenvolvimento dos Processos Psicológicos Superiores,
afirma que "o caminho do objeto até a criança e desta até o objeto
passa por outra pessoa". Por isso, o conceito de aprendizagem mediada
confere um papel privilegiado ao professor.
É
evidente que não se adquire conhecimentos apenas com os educadores: na
perspectiva da teoria sociocultural desenvolvida por Vygotsky, a
aprendizagem é uma atividade conjunta, em que relações colaborativas
entre alunos podem e devem ter espaço (leia a questão de concurso na próxima página).
"Mas o professor é o grande orquestrador de todo o processo. Além de
ser o sujeito mais experiente, sua interação tem planejamento e
intencionalidade educativos", explica Maria Teresa de Assunção Freitas,
docente da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF).
É
preciso atenção, entretanto, para evitar uma deturpação no que diz
respeito à aplicação prática da ideia de mediação. Por acreditarem que o
aprendizado se dá apenas na relação entre indivíduos, alguns educadores
apressam-se em organizar aulas em que todas as atividades são
realizadas em grupo. Trata-se de um entendimento incorreto do conceito:
não é porque a aquisição de conhecimentos ocorre, sobretudo, nas
interações que estar sempre em contato com o outro é uma prerrogativa
essencial às aulas. "Os momentos de internalização são essenciais para
consolidar o aprendizado. Eles são individuais e reflexivos por
definição e precisam ser considerados na rotina das aulas", finaliza
Maria Teresa.
Quer saber mais?
BIBLIOGRAFIA
A Formação Social da Mente: O Desenvolvimento dos Processos Psicológicos Superiores, Lev Vygotsky, 224 págs., Ed. Martins Fontes.
O Pensamento de Vygotsky e Bakhtin no Brasil, Maria Teresa de Assunção Freitas, 192 págs., Ed. Papirus.
Vygotsky: Aprendizado e Desenvolvimento, um Processo Sócio-Histórico, Marta Kohl de Oliveira, 112 págs., Ed. Scipione.
A Formação Social da Mente: O Desenvolvimento dos Processos Psicológicos Superiores, Lev Vygotsky, 224 págs., Ed. Martins Fontes.
O Pensamento de Vygotsky e Bakhtin no Brasil, Maria Teresa de Assunção Freitas, 192 págs., Ed. Papirus.
Vygotsky: Aprendizado e Desenvolvimento, um Processo Sócio-Histórico, Marta Kohl de Oliveira, 112 págs., Ed. Scipione.
Para Vygotsky, o professor é figura essencial do saber por representar um elo intermediário entre o aluno e o conhecimento disponível no ambiente
No
início da infância, explorar o ambiente é uma das maneiras mais
poderosas que a criança tem (ou deveria ter) à disposição para aprender.
Ela se diverte ao ouvir os sons das teclas de um piano, pressiona
interruptores e observa o efeito, aperta e morde para examinar a textura
de um ursinho de pelúcia e assim por diante. Essa lista de atividades,
entretanto, pode dar a impressão de que, para adquirir saberes, basta o
contato direto com o objeto de conhecimento. Na realidade, boa parte das
relações entre o indivíduo e seu entorno não ocorre diretamente. Para
levar a água à boca, por exemplo, a criança utiliza um copo. Para
alcançar um brinquedo em cima da mesa, apoia-se num banquinho. Ao
ameaçar colocar o dedo na tomada, muda de ideia com o alerta da mãe - ou
pela lembrança de um choque. Em todos esses casos, um elo intermediário
se interpõe entre o ser humano e o mundo.
Em
sua obra, o bielorrusso Lev Vygotsky (1896-1934) dedicou espaço a
estudar esses filtros entre o organismo e o meio. Com a noção de
mediação, ou aprendizagem mediada (leia um resumo do conceito na última página),
o pesquisador mostrou a importância deles para o desenvolvimento dos
chamados processos mentais superiores - planejar ações, conceber
consequências para uma decisão, imaginar objetos etc.
Tais
mecanismos psicológicos distinguem o homem dos outros animais e são
essenciais na aquisição de conhecimentos. Vygotsky demonstrou essa
característica referindo-se a diversos experimentos realizados com
animais. Num deles, um macaco conseguia pegar uma banana no alto de uma
jaula se visse um caixote no mesmo ambiente. No entanto, se não houvesse
o caixote, o símio nem sequer cogitaria buscar outro objeto que o
aproximasse de seu objetivo. O ser humano, por outro lado, agiria de
forma diferente. "Enquanto o macaco precisa ver o instrumento, o ser
humano consegue imaginá-lo ou conceber outro com a mesma função", afirma
Marta Kohl de Oliveira, professora da Universidade de São Paulo (USP).
Elementos mediadores: os instrumentos e os signos
O
exemplo também é útil para distinguir os dois tipos de elementos
mediadores propostos por Vygotsky. O primeiro são os instrumentos. Ao se
interpor entre o homem e o mundo, eles ampliam as possibilidades de
transformação da natureza: o machado permite um corte mais afiado e
preciso, uma vasilha facilita o armazenamento de água etc. Alguns
animais, sobretudo primatas, podem até utilizá-los eventualmente, mas é o
homem que concebe um uso mais sofisticado: guarda instrumentos para o
futuro, inventa novos e deixa instruções para que outros os fabriquem.
O segundo elemento mediador, o signo, é exclusivamente humano. Na definição do dicionárioHouaiss,
signo é "qualquer objeto, forma ou fenômeno que representa algo
diferente de si mesmo". A linguagem, por exemplo, é toda composta de
signos: a palavra cadeira remete ao objeto concreto cadeira. Perceba que
você certamente pode imaginar uma agora mesmo sem a necessidade de
vê-la. Para o homem, a capacidade de construir representações mentais
que substituam os objetos do mundo real é um traço evolutivo importante:
"Ela possibilita libertar-se do espaço e do tempo presentes, fazer
relações mentais na ausência das próprias coisas, fazer planos e ter
intenções", escreve Marta no livro Vygotsky: Aprendizado e Desenvolvimento, um Processo Sócio-Histórico.
A
mesma característica também é fundamental para a aquisição de
conhecimentos, pois permite aprender por meio da experiência do outro (leia o trecho de livro na terceira página).
Uma criança, por exemplo, não precisa pôr a mão na chama de uma vela
para saber que ela queima. Esse conhecimento pode ser adquirido, por
exemplo, com o conselho da mãe. Quando o pequeno associa a representação
mental da vela à possibilidade de queimadura, ocorre uma internalização
do conhecimento - e ele já não precisa das advertências maternas para
evitar acidentes.
A interação tem uma função central no processo de internalização
Para
Vygotsky, a interação (principalmente a realizada entre indivíduos face
a face) tem uma função central no processo de internalização. No livro A Formação Social da Mente: O Desenvolvimento dos Processos Psicológicos Superiores,
afirma que "o caminho do objeto até a criança e desta até o objeto
passa por outra pessoa". Por isso, o conceito de aprendizagem mediada
confere um papel privilegiado ao professor.
É
evidente que não se adquire conhecimentos apenas com os educadores: na
perspectiva da teoria sociocultural desenvolvida por Vygotsky, a
aprendizagem é uma atividade conjunta, em que relações colaborativas
entre alunos podem e devem ter espaço (leia a questão de concurso na próxima página).
"Mas o professor é o grande orquestrador de todo o processo. Além de
ser o sujeito mais experiente, sua interação tem planejamento e
intencionalidade educativos", explica Maria Teresa de Assunção Freitas,
docente da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF).
É
preciso atenção, entretanto, para evitar uma deturpação no que diz
respeito à aplicação prática da ideia de mediação. Por acreditarem que o
aprendizado se dá apenas na relação entre indivíduos, alguns educadores
apressam-se em organizar aulas em que todas as atividades são
realizadas em grupo. Trata-se de um entendimento incorreto do conceito:
não é porque a aquisição de conhecimentos ocorre, sobretudo, nas
interações que estar sempre em contato com o outro é uma prerrogativa
essencial às aulas. "Os momentos de internalização são essenciais para
consolidar o aprendizado. Eles são individuais e reflexivos por
definição e precisam ser considerados na rotina das aulas", finaliza
Maria Teresa.
Quer saber mais?
BIBLIOGRAFIA
A Formação Social da Mente: O Desenvolvimento dos Processos Psicológicos Superiores, Lev Vygotsky, 224 págs., Ed. Martins Fontes.
O Pensamento de Vygotsky e Bakhtin no Brasil, Maria Teresa de Assunção Freitas, 192 págs., Ed. Papirus.
Vygotsky: Aprendizado e Desenvolvimento, um Processo Sócio-Histórico, Marta Kohl de Oliveira, 112 págs., Ed. Scipione.
A Formação Social da Mente: O Desenvolvimento dos Processos Psicológicos Superiores, Lev Vygotsky, 224 págs., Ed. Martins Fontes.
O Pensamento de Vygotsky e Bakhtin no Brasil, Maria Teresa de Assunção Freitas, 192 págs., Ed. Papirus.
Vygotsky: Aprendizado e Desenvolvimento, um Processo Sócio-Histórico, Marta Kohl de Oliveira, 112 págs., Ed. Scipione.
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